sexta-feira, 26 de junho de 2009

oração pela clareza

existem algumas poucas coisas que me fazem ter medo de ficar adulta. quase sempre elas têm a ver com dinheiro e trabalho. mas o que tem me causado medo, mesmo, ultimamente, é a possibilidade de perder a clareza das coisas. é que nós temos esse poder de nos tornarmos idiotas. eu conheço adultos medíocres, adultos que se viram dentro de situações terríveis que, por erro ou inocência, eles próprios as escolheram e, por não suportarem conviver com essa escolha, acabaram por amputarem a própria consciência e percepção para se sentirem menos desconfortáveis. amputaram a própria liberdade, pois quanto menos consciência, menos liberdade. e uma vez adotando a ausência de criticidade, adeus: é mais fácil afundar nessa alienação confortante do que estimular a reflexão.

conheço adultos que escolheram a pouca consciência por não terem honestidade suficiente para se depararem com as próprias falhas ou situações que pedem esforço. como um indivíduo que defende o sistema capitalista como o mais coerente, mas a verdade é que ele sabe que nunca terá coragem de dividir seus bens. este indivíduo, então, vai aos poucos convencendo-se de sua pseudo-razão por ser incapaz de reconhecer suas limitações até que, um dia, olha a pobreza do mundo e põe a culpa no governo (ou no diabo). sim, eu descobri que alienação também pode ser uma escolha racional. mas também conheço adultos que foram subjulgados a situações tão opressoras, contra as quais não podiam lutar, que naturalmente foram tomados pela falta de clareza para amenizar o sofrimento. estes, lamento, merecem a minha compaixão.

é por isso que muitos dos grandes pensadores que a humanidade teve morreram loucos ou depressivos pois tamanho era o aprofundamento da reflexão e conhecimento do mundo feio como ele é, que suas mentes renunciaram à sanidade. não é fácil ser lúcido nesse mundo, é preciso ter muita coragem. tanto existem aqueles que optam declaradamente pela não-consciência para terem uma vida mais conveniente, como aqueles que por tanto pensarem, ficam cansados e suas mentes se tornam omissas ao real. os primeiros são os medíocres, os segundos são os loucos. estes últimos, evidentemente, merecem a minha admiração.

é, portanto, que faço a minha oração pela clareza todos os dias, exercito-a, tenho medo de perdê-la. faço questão de enxergar as coisas com o máximo de clareza possível para não correr o risco de entrar em algum buraco sem perceber e nunca mais sair. observo, analiso, concluo, reflito, desconstruo, concluo de novo, repenso, desfaço, re-significo, mesmo que no fim não sobre nada. espero que a vida não me ponha uma situação opressora o suficiente que me faça abdicar da minha consciência para sofrer menos. não, isso seria triste demais. e espero também saber a hora de parar, para não morrer louca - se bem que prefiro a loucura ao risco de mediocridade.

ou será que já estou louca? ou sofro demais para ser alguém consciente e nem tenho consciência disso? ou, então, escrevo esse texto no auge da minha mediocridade? será que um dia escolhi a alienação e desde então tudo o que fiz foi aprofundar-me nela? e essas idiotices que escrevo são o ápice da minha tentativa de auto-convencimento de uma pseudo-razão que diz que sou alguém lúcido, mas tudo não passa de uma imensa falta de coragem de me deparar com minha terrível estupidez? não sei, vou refletir sobre isso...